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Poesia

Território do escritor

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Este é o segundo livro de poesias de Victor Leonardi, editado por Massao Ohno, em São Paulo, um ano após a publicação de Livro verde das horas. Contém poemas escritos nos anos 1990.

Capa composta com pintura do artista Arcangelo Ianelli, Composição em roxo, 1998.

 

Luís Bogo escreveu o seguinte a respeito deste livro:

"Se no
Livro verde das horas as localidades e paisagens serviam apenas como pano de fundo para a poesia, neste novo livro a paisagem envolve a poesia (ou é envolvida por ela) sem que se confundam em qualquer momento. O cenário atua, agora, como fator gerador do poema e, por mais estática que seja a cena descrita, Leonardi consegue transportar-nos sempre para a ideia do eterno movimento. Não o movimento dos homens ou dos elementos que figuram em determinado local, mas o movimento vital do poeta em construção, que não consegue evitar que o fruto de sua elaboração ultrapasse as fronteiras de um particular território de escritor."
"É verdade que ... a poesia nasce em lugares inesperados, mas Victor Leonardi parece fazer questão de localizá-la geograficamente para reafirmar, talvez como fato consagrado, que tanto Guayaquil, quanto Barra do Una ou a Ilha de Samos são absolutamente iguais e perfeitamente aptas para abrigarem as contradições geradas por esse eterno movimento metamórfico chamado Vida."

 

 

Jardim impresso

Leio muito, passo várias horas por dia lendo, e não considero isso um defeito.
Mas muita gente me olha com um certo desdém, inclusive pessoas do meu          círculo
Como se leitura não fosse trabalho. Como se eu estivesse perdendo tempo com isso.
Acham que sou incapaz para ganhar dinheiro e subir na vida.
No que eles têm toda razão.
Desse tipo de vida na qual eles subiram, eu só quero, realmente, descer.
O mundo que descubro tem um aspecto que eles não vão perceber nunca
Por isso vale a pena mergulhar, mais fundo ainda
No espetáculo da vida que não aborrece, por ser eletrizado na leitura, tipograficamente.
Os tipos gráficos encontrados logo de manhã melhoram o resto do meu dia
Tão eivado de pequenos erros
Movimentos inseguros
E uma falta crônica de sucesso.
É tão bom viver neste exílio voluntário
Que chego a desesperar quando penso no Inferno
Como um mundo sem livros.
Se eu tivesse que pintar um quadro sobre o tema do temor a Deus e do pavor ao Diabo
Não iria fazer nada parecido aos quadros de Hyeronimus Bosch.
Seus demônios da Tentação de Santo Antão, que estão hoje em Lisboa.
Só assustavam as cabeças quinhentistas.
Hoje, o que realmente dá medo, é a incultura poderosa que predomina neste meu país...
Desse tipo de vida eu quero continuar ausente.
Fui sequestrado pelos livros e prefiro continuar assim:
No meu jardim das delícias, impresso, lido e relido em silêncio.



Mundo-livro


Quando estou sozinho na minha biblioteca, no mais profundo isolamento
Sou capaz de ficar nove, dez, doze horas sem falar com ninguém.
Chego até a desligar o telefone durante essas horas.
Meu horizonte visual fica então contido entre volumes grandes e pequenos
Marrons, negro, azuis, com ou sem encadernação de couro ou dourado na lombada.
É esse o meu mundo, assim, limitado, mas sem restrições:
Minha biblioteca está além das barreiras da construção e do cálculo.
Nela, meu espírito não é mais estado, mas atividade.
Quem chegar aqui sem ser anunciado
Não vai ver a imagem de uma figura de cabelos brancos, nem o espaço entre as estantes,
Mas uma relação abstrata, totalmente inaplicável aos fatos sensíveis.
Depois, saio para a rua, doze horas mais tarde.
Encontro o meu vizinho falando de taxas de câmbio. E o dono da banca de jornal, 
com sono, ao lado das manchetes que falam das eleições de 15 de novembro.
Vou até a padaria, pego um litro de leite, dois pães e meio quilo de café.
Pago no caixa e volto para casa, tomando cuidado para atravessar a rua, por causa do trânsito.
Enquanto o elevador me leva de volta para a minha biblioteca
Fico achando que esta realidade envolvente é uma mera hipótese
Onde tudo é menos, embora num horizonte sem limites.
Quando entro de novo, no meu diminuto espaço, entre os tomos e as estantes
Sinto uma espécie de volta heroica a um território infinito.
Às vezes Madame Bovary aparece, ou Fausto, ou Siegfried.
A gente conversa o resto da noite, generosamente.
Enquanto isso, lá na rua, a vida se coagula mais um pouco
Em sua anônima trama caótica.
Quando o dia amanhece de novo, meu pequeno mundo-página
Parece um majestoso edifício de papel, no seu incorrigível otimismo.
Otimismo trágico, é verdade, com poucos indivíduos
Mas repleto de relâmpagos.

Ficha Técnica

Título
Território do escritor

Ano
2000

Gênero

Poesia

 

Editora

Massao Ohno Editor

 

118 páginas

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